quinta-feira, dezembro 25, 2008

Gigantes e Anões - Versão 1.0

Vivemos em tempos de anões políticos, onde a imagem do homem público é irrelevante, descolada da realidade ou dos anseios populares. Esta é a análise que cientistas políticos, filósofos, pensadores, historiadores e que todos nós acabamos fazendo do que é considerado um político hoje em dia.

Mas será essa uma imagem justa? Será que os todos os governantes de nosso tempo são tão medíocres assim? Será que não há na verdade um desgaste da própria ciência política que, com premissas erradas, derruba qualquer possibilidade de uma visão mais profunda do assunto?

Um pequeno livro procura responder a essas perguntas e mais, ainda propõe uma nova forma de pensar os líderes de nosso tempo. Trata-se de "The case for greatness – Honorable ambition and its critics” de Robert Faulkner. Para isso, o autor busca em grandes nomes da antiguidade clássica respostas e uma maior compreensão da vida pública.

Faulkner explica como a ambição política e a magnanimidade (grandeza de alma) foram pensadas, interpretadas e analisadas de forma muito mais ampla pelos antigos. Partindo do gentil-homem aristotélico, passando por “Alcebíades” de Platão, “A educação de Ciro” de Xenofonte, até chegar à decadência igualitária e ao vazio liberal de Rawls e Arendt, o autor nos desafia a encarar o quão pequenos somos e que, ao exigir grandeza dos homens públicos, esquecemo-nos de que é necessário que sejamos nós os primeiros a buscar esta grandeza.

Compreendemos então como estes autores clássicos aprofundam, abrem nossos horizontes intelectuais e morais, quiça religiosos, tornando-nos mais aptos à analisar o problema da ambição política e suas crises.

Iniciando o estudo por “Ética a Nicômaco” de Aristóteles, Faulkner abre o terreno para aquela que é a base para o surgimento de líderes bons e justos: a moderação. Moderação esta que pode e deve ser traduzida em um corpo político e social representado por uma preponderante classe-média, que coibiria a tirania latente que ricos e pobres tendem a apoiar em prol de suas paixões.
É no estudo aristotélico que se apresenta uma das mais profundas análises da magnanimidade, que busca compreendê-la em todo o seu espectro: tanto positivo, quanto negativo.

Em seguida, partimos junto a Sócrates para dois diálogos com Alcebíades. Surpreendemo-nos inicialmente com um Alcebíades capaz de expôr suas falhas e imprudências, seu poder desolado e sua insaciável busca pela fama, muito distante daquele ébrio de “O Banquete”. Este Alcebíades maduro está contorcido pela angústia da tirania. Já do primeiro Alcebíades mantêm-se o impulso, a gana pelo poder e sua visão falha do povo. Em ambos os casos, Sócrates resgata o político em si mesmo.

Como a tirania já se insinua, temos então a companhia de Xenofonte com “A Educação de Ciro”, um dos textos que influenciaram Maquiavel a escrever seu famoso tratado. No entanto, a obra de Xenofonte permaneceu muito mais completa, principalmente por não deixar de lado as questões espinhosas e as angústias do poder, além do preço que se paga para alcançá-lo. É com Xenofonte que passamos a entender melhor como homens tão dúbios, complexos e por vezes cruéis, como Napoleão, podem suscitar admiração em tantos.

Por fim, Faulkner faz um apanhado do pensamento político vigente, segundo ele, o grande responsável pela degradação atual da política: “Uma teia igualitária tecida pela moderna intelectualidade.”

John Rawls nos apresenta a grandeza política como injustiça. Para Hanna Harendt a magnanimidade nada mais é que dominação. E de onde vêm as premissas intelectuais destes dois contemporâneos? Hobbes, Kant e Nietzsche são trazidos à tona e percebemos então o quão pequena estes grandes tornam a política.

Pode-se concluir que, sem a construção íntima da política, sem resgatarmos a boa ambição no plano individual e o senso de responsabilidade, nada poderemos esperar dos homens públicos e da própria constituição política das sociedades.

Os antigos não se intimidavam com as dificuldades da política: seus defeitos, acertos, sua corrupção e plenitude. Também sabiam que as melhores sociedades eram aquelas que tinham como principal característica a moderação, que lidavam com cuidado com suas próprias paixões.
Eis o convite de Faulkner neste livro: não nos deixar levar pelas respostas fáceis mas, arduamente, inculcar em nossos corações a magnanimidade e a boa ambição. Um convite raro hoje em dia. Dias em que não há mais espaço para a vida intelectual, para uma profunda análise da natureza da realidade, mas apenas uma gigantesca ânsia de transformá-la.

Artigo publicado na Dicta & Contradicta, nº 2 - Esta é a versão sem edição do texto.

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