sexta-feira, dezembro 24, 2010

A queda de todos nós.

Acabar de ler o romance de Karleno Bocarro, "As almas que se quebram no chão", há de deixar o leitor com uma sensação de falta de ar, como se levasse um soco no estômago. Mas se o autor atinge-nos de forma tão impactante, muito se deve a seus personagens, especialmente Marcos, uma espécie de Dante moderno aqui levado não ao Paraíso, mas a nulidade satânica.

Antecipo o fim do livro e não falo da essência: um retrato tocante e ao mesmo tempo mordaz de um grupo de amigos perdido entre Berlim e São Paulo, que em busca de uma idéia vaga de liberdade e intelectualismo acaba por mergulhar em um lodaçal de experiências que não trazem nenhum alívio, nenhuma transcendente experiência (sexual ou outra qualquer) o "desraigamento dos sentidos" é apenas um suceder de ridículas apreensões da realidade além do real, e por fim, a covarde tentativa fuga de si mesmo, impossível de realizar-se, sobrando apenas um total embotamento do ser.

Mas se fosse apenas isso, esse degringolar beat de uma geração, o autor seria apenas mais do mesmo, um desses que gostam de exibir a decadência humana como algo inescapável e inerente à nossa índole (o que não deixa de ser verdade!). Tantos no nosso meio literário fazem de tal experiência a prova cabal de nossa pequenez, de nossa decadência e sordidez. Mas Karleno enxerga além.

Em primeiro lugar há situações onde, de forma sutil para o leitor que não estiver atento, percebemos o mal, por toda parte: fétido, rastejante, podre. Insinuado, este mal está no abjeto prédio que os personagens ocupam na maior parte da narrativa quando na Alemanha. O prédio decadente era um suposto prostíbulo para uso de membros da SS à época da guerra e há de se sentir em suas paredes apodrecidas, o mal escorrer e impregnar os personagens. Em uma das cenas mais assustadoras do livro, é possível sentir o cheiro de podridão impregnar nossas narinas.

E mais sutil ainda é a presença da Graça. Eis o ponto. Eis a angústia para nós, que lemos e percebemos o quão próxima ela está do personagem principal e o quanto este tenta macular sua presença. Ela é presente de forma evidente na personagem que paira pelo livro como uma Beatriz no poema. Mas aqui ela não é forte o suficiente para atrair o nosso moderno Dante de suas trevas pessoais e reais. Ou melhor, Luiza, é sim forte, quem é fraco, decadente e medíocre é Marcos em suas decisões, em sua falta de ombridade e maturidade.

Medíocre, eis a palavra, em Marcos nada é real, sincero, puro. Ele não consegue seguir um caminho de sua escolha, está sempre sendo levado pelos outros, não consegue sequer, atingir a decadência marginal e plena como seus amigos de devassidão, mas ao mesmo tempo, e nenhuma surpresa aqui, sequer consegue erguer-se do caos e realizar algo. Tenta a todo custo viver a vida de outros, chegando ao absurdo de tentar vender um manuscrito de um amigo como sendo seu. No sexo, consegue apenas concretizar o ato com uma esquálida filha do sertão nordestino onde é enviado pela burocracia do banco onde trabalha. Seu único esforço concreto, sua única ambição realizada é tornar-se um ninguém.

Muito disse aqui sobre o livro de Bocarro, mas ainda assim faltam palavras sobre a galeria de personagens (dignos do melhor Henry Miller), de sutis e certeiras críticas aos fatos e situações criados pelo desgaste de um país corroído por um regime decadente e em uma espiral de decadência e perda de valores. Quando espelhado ao Brasil, notamos que a experiência européia testemunha a decadência de uma civilização, enquanto aqui, somos tomados pela barbárie inerte.

Bocarro escancara e há de incomodar muitas gentes com seu livro; por mostrar esse hedonismo do feio, a preguiça perante o embate com a vida, o sub-intelectualismo e last but not least, o triste desperdiçar de uma geração perdida em si mesma.

No fundo é torcer; torcer para que Karleno Bocarro seja um daqueles (pois há que se esperar por essa nova geração de escritores, do qual ele é um dos primeiros há aparecer!) de quem poderemos dizer que veio para ficar, que veio para resgatar o melhor da literatura brasileira. Devemos ficar atentos e perspicazes, pois estamos diante de um autor capaz de levar-nos a um topo nunca alcançado antes. De sermos original e finalmente, universais.

domingo, dezembro 19, 2010

Pequena Antologia Pessoal do Melhor (e do Pior) de 2010

Existe coisa mais legal do que fazer listas? Como bem diz o Umberto Eco, somos vidrados nesse negócio de hierarquizar as nossas preferências (e sim, hierarquizar, dividor o joio do trigo, separar o bom do ruim, isso faz parte de nossa experiência humana, por mais que os "mudernos" pensadores digam e ensinem o contrário). Portanto, eis o melhor e o pior de 2010...afinal, para algo ser bom alguma coisa tem que ser ruim.!

Comecemos então pela universo dos livros e editoras;

Não dá pra negar, o quebra pau entre a Record e a Cia das Letras foi o fato cultural do ano! Finalmente o que sempre ficou nos bastidores do mundinho literário veio à tona e, por mais que tentem esconder, vimos o quanto a política interfere na hora de escolhermos nossos "melhores". Esperemos que mais brigas desse tipo ocorram em 2011, afinal, é preciso chacoalhar certas unanimidades!

Ok, isso aqui não é uma escolha tão importante quanto o Jabuti (se é que ele é importante...) então vamos lá:

Em quinto lugar - Contra um mundo melhor - Luiz Felipe Pondé - um ótimo antídoto para levar na mochila na hora de ir para a roda de bar enfrentar os bárbaros do "mundo melhor". Vários sopapos na cara do politicamente correto e um humor de dar orgulho ao velho Nelson.

Quarto lugar - Ligeiramente fora de foco - Robert Capa - houve uma época em que os homens ainda podiam se aventurar, buscar um novo olhar e viver plenamente. A memórias do "ex-hungaro", Robert Capa, são de fazer inveja a qualquer um de nós, filhos da geração sucrilhos.

Terceiro lugar - As almas que se quebram no chão - Karleno Bocarro - Que Chico "Derramado", que Ednei Silvestre! E vocês ainda ficam interessados no que o velhaco do Roth escreve? Ainda babam pelo J. Frazen? Pois deviam olhar com atenção para o próprio quintal e ver que (sim é possível) existe literatura de qualidade neste país de lulismos infernais.

Segundo lugar - Sob o sol de Satã - George Bernanos - Pra quem acha que o cristianismo é uma religião de velhas encardidas ou que só ateus podem criticar o mofo que volta e meia impregna a Igreja, saibam que Bernanos está de volta, e não é fácil ser cristão sob peso de seu olhar. Um desses pequenos milagres editoriais que ocorrem nestas plagas canibalistas.

Primeiro lugar - O Outono da Idade Média - Johan Huizinga - Não tem como negar o marco que é a publicação (e edição) deste que é o melhor livro sobre a idade média já escrito. Sem dúvida, o melhor livro do ano, quiça da década!

E o pior livro lançado no Brasil esse ano é o....Stalin - História crítica de uma lenda negra - Domenico Losurdo - Que dizer de um livro que tenta justificar os horrores perpretados por Koba durante seu "reinado absolutista" na extinta União Soviética? Nada mais deplorável, um livro que só pode ser colocado ao lado dos revisionistas que dizem que não ocorreu o Holocausto.

Para encerrar, um pitaco do melhor livro lançado lá fora: Bloodlands - Timothy Snyder - Um catatau de 500 páginas revela o que todo comunista sabe mas não admite: Nazismo e Marxismo são duas forças irmãs que arrasaram e assassinaram milhões na Europa...mas, graças a certos "arranjos", Stalin conseguiu manter a aura de libertador e salvador da democracia. Para entender como, eis um livro essencial e estupidamente bem escrito!

Música

All right, it's only Rock n Roll, but I like it! A música pop (que é a que importa, folks, deixem de eruditismos e mofo!) parece morta, mas nada como um bando de velhinhos (e alguns jovens talentos, hehe) para mostrar que há vida (inteligente, ácida, redentora...) além do que você baixa para seu Ipod.

Quinto lugar - The Dawg Years - Blaze Foley - Para quem está carente de Johnny Cash, já ouviu tudo do Hank Williams, e está precisando de canções para acompanhar a melancolia de fim de ano, nada melhor do que o "drunken angel" (Lucinda Williams, kids!) Blaze Foley. Gravado de forma caseira entre 1976 e 1978, Foley com 25 anos interpreta canções cruas e intimistas, mas ainda assim com um toque irônico e mordaz (era a época do Watergate). Um diamante bruto da música country.

Quarto lugar - Terra Incognita - Juliette Lewis - Ok garotas, então vocês querem fazer RocknRoll? Então aprendam com Juliette Lewis como revigorar o estilo sem cair em clichês, como prestar homenagem sem plagiar (iggy pop, david bowie, glam rock, T. Rex), como ser sexy sem ser vulgar...Isso que ela acredita na cientologia, imagine se ela fosse uma garota normal!

Terceiro lugar - The Union - Elton John e Leon Russell - A prima-dona presta homenagem a um dos maiores nomes da música country e juntos fazem um dos melhores e mais tocantes álbuns do ano. Vocês podem até duvidar, mas se chegarem a ouvir "Hey Ahab" vão entender os motivos que fazem deste, um dos melhores do ano!

Segundo lugar - Le Noise - Neil Young - De cara um soco nos tímpanos para fazer você entender que para ser "heavy" não é necessário ser "metal".! Algumas canções de protesto, outras de guerra, mas no fundo o que fica é uma declaração de amor de Neil à sua esposa e filhos. Um dos mais belos discos de sua carreira (e olha que ela é longa!)

Primeiro lugar - I Speak Because I Can - Laura Marling - Que dizer do disco que fez Ryan Adams esforçar-se para escrever melhor? Que dizer de canções de uma maturidade inexplicável para uma garota em seus 20 e poucos anos? Alguns puristas podem achar que sou louco, mas a única coisa próxima desta obra-prima, pensando em idade e na força das canções é o Freewheelin'Bob Dylan! Imperdível e irrevogável!


Extra: o box mais fiadaputa do ano! Bom, tinha que ser do Dylan, né? - Depois de me fazer comprar o box SACD, eles tinham que fazer isso!! - Original Mono - cruel, muito cruel...


O pior de 2010: Sinceramente? a música nacional! De fiuk a maria gadú, pode escolher o que tiver no meio e jogar na lata do lixo. Nunca vi tanta porcaria sendo gravada, elogiada, idolatrada...sinceramente, chegamos ao ponto de considerar Ivete Sangalo uma artista séria e um show na "laje" do Arnaldo Antunes algo inusitado de bom!!!??? A coisa anda feia por estas bandas (e com estas bandas!)


Cinema e TV (afinal, a TV é o verdadeiro campo de criatividade hoje em dia!)

Com um ano bem fraco em termos de cinema, mas vamos lá:

Quinto lugar - Kick-Ass - a divertida adaptação do quadrinho (que é ainda mais divertido). Bom para desopilar o fígado e se apaixonar pela Hit-Girl. De fazer inveja ao melhor Tarantino!

Quarto lugar - A Estrada - Tudo bem, pessoal ainda não aprendeu a fazer um filme baseado na obra do McCarthy, mas esse é o que melhor chega lá. E desculpa, mas só quem não tem sentimentos filiais para não se emocionar com o relacionamento de pai e filho (Pai & filhos, Deus e nós) que surge na tela escurecida pela fuligem da desesperança.

Terceiro lugar - Fim da Escuridão - Ok, está aqui por um motivo simples. Todo mundo falou tão mal do Mel Gibson, meteram tanto o pau nele, que coloquei esse filme aqui por achar um exagero toda essa perseguição e rancor. Ele pode ter lá suas falhas, mas duvido que seja o pior que há em hollywoodland...e de mais a mais, o filme é bom.

Segundo lugar - Onde Vivem os Monstros - Surpreendente filme "infantil", que revela mais de nós do que qualquer outra porcaria pseudo-intelectual que produzem por aí. Se você realmente quer saber o que se passa em dentro de nós, o que nossas fantasias revelam, não deixem de assisitir essa pequena obra-prima.

Primeiro lugar - O ano não acabou ainda, portanto vou segurar um pouco o primeiro lugar....

A pior porcaria que vi no cinema este ano foi...AVATAR !! Só mesmo tendo uns neurônios a menos para gostar dessa baboseira 3D. Roteiro péssimo, efeitos 3D para encantar quem baba na gravata, e atuações pífias fazem deste o pior filme do ano (quiça da década!!). Será que não dava para pelo menos bolar um roteiro menos idiota? Mesmo para um blockbuster é medíocre demais da conta!

Do que foi produzido na TV este ano uma pequena colocação: realmente há mais vida inteligente na telinha do que no cinemão! Vamos lá então para o melhor da máquina de fazer doido!

Quinto lugar - House - Ainda mantém o fôlego, mas tá começando a cansar, vão precisar de coragem para acabar com o personagem mais cool e sarcástico (já nem tanto) da tv, mas é preciso saber quando algo terminou.

Quarto lugar - The Pacific - Prejudicada pela existência de um Band Of Brothers, ainda assim é impactante a série que mostra as batalhas que arrolaram americanos e japoneses nas ilhas do pacífico. Notável é perceber o quanto essas batalhas foram tão ou mais violentas e cruéis do que qualquer Vietnã.

Terceiro lugar - Lie to Me - Cansando do Dr. House? Então divirta-se com o genérico Dr. Lightman, vivido pelo também britânico (mas aqui o personagem é britânico) Tim Roth. Sarcasmo, ironia, "todo mundo mente" é o mote da série. Mas há nuances interessantes, já que o personagem de Roth tem que conviver com sua ex-esposa e sua filha de 16 anos. Pena que Roth engula todos os outros atores com sua performance.

Segundo lugar - Dexter - Não dá para superar Dexter em termos de drama policial (e familiar!!) se você não nunca assistiu , não sabe o que está perdendo. E sim, é uma das séries que mais me emociona!

Primeiro lugar - Mad Men - Quer saber, é uma vergonha que a melhor série do ano tenha apenas uma temporada lançada no Brasil(uma briga entre a Paramount e a Warner parece ser responsável por isso) portanto, estamos nós bruzundanguenses, obrigados baixar pela internet essa que é uma das mais impactantes e profundas séries do momento.

O pior da TV...alguém assiste TV aberta? Então é só escolher o que lhe causa engulhos e preencher aqui (.........)

Terminada a antologia cultural, prometo para os próximos dias uma antologia de fatos marcantes do ano.

See ya!