Mathew Brady e Alexander Gardner eram os fotógrafos oficiais do Governo Unionista na Guerra Entre os Estados que devastou os EUA durante os anos de 1861/65. Mais de meio milhão de soldados morreram no conflito e incontáveis vidas civis foram perdidas. O conflito, como não poderia deixar de ser, marcou a vida de pessoas, gerou diferentes formas de se interpretar o mundo, e deixou sua marca nas canções, na literatura e até a indústria cinematográfica
teve os seus "blockbusters" sulistas: The Birth of a Nation,...Gone With the Wind e A General são os filmes representativos desta leva. O próprio Eastwood revisitaria o tema em filmes como Josey Wales. The Beguiled entra nessa categoria, obviamente não como um "blockbuster", e trás uma visão bem pouco heróica ou romantizada da Guerra. Desde o ínicio do filme, ainda nos créditos iniciais, as fotografias dos dois fotógrafos acima citados aparecem em sequência e marcam o tom, o momento histórico da narrativa: Lincoln em um acampamento, soldados em trincheiras, feridos, mortos...a guerra que devasta o país cerca o cenário desse conto de horror gótico sulista.
Após os sons de batalha e as imagens das fotografias em sépia sairem de cena, vemos Amy, uma encantadora menina, colhendo cogumelos na floresta, uma chapeuzinho vermelho sulista. Ao fundo enquanto a voz de Eastwood cantarola The Dove, uma canção da Guerra Entre os Estados:
"Take warning by me, don't go for a soldier, don't go for the army
For the dove she will leave will, the raven will come
And death will come marching at the beat of a drum
Come all you pretty fair madies who walk in the sun
And don't let your young man ever carry a gun"
A cena, como bem aponta Howard Hughes, é o típico início de um conto de fadas, mas aqui, logo o encantamento tornar-se-á um pesadelo de mentiras e dissimulações, farsas e tragédias. Ela encontra o soldado do 66º Regimento de Infantaria de Nova Iorque, John McBurney (Eastwood) ferido e o leva para a "Seminário Para Garotas Farnsworth". É lá, que cercado pelos cuidados, suspeitas, carinhos e obsessões de um grupo de mulheres que McBurney irá, através de seus próprios desejos e manipulações, encontrar seu destino.
The Beguiled é o terceiro filme da parceria Siegel/Eastwood e para muitos, a decisão de Eastwood de estrelar esta produção foi quase tão ousada e importante quanto ir para a Espanha filmar com um diretor italiano desconhecido. Don Siegel considerava esse, dentre todos os filmes que dirigiu, o seu favorito.
Jogando com a visão do cavaleiro solitário que chega à cidade e de forma "mágica" reestabelece a ordem, aqui a trama é justamento o oposto: o estranho que chega trás em seu bojo apenas o caos, destruindo a ordem e abrindo portas para pecados guardados e tentações futuras, também aqui, ao contrário destes personagens sem passado, é nos revelado o seu verdadeiro passado.Não, o "Blue Belly" não é o que diz ser...ora um quaker inocente, ora um cavaleiro em armadura para resgatar uma donzela virgem daquela fortaleza monástica, McBurney é na verdade um soldado covarde e cruel, não tem respeito pelas terras que conquista e queima as colheitas de fazendeiros sulistas (o que remente às táticas do general Sherman, um dos maiores carniceiros de qualquer época, de qualquer guerra, responsável pelo incêndio da cidade de Atlanta que é retratado em ...Gone With the Wind), além de não ser nem um pouco pudico ou discreto, McBurney usa de seu charme e presença para seduzir aquelas mulheres abandonadas e temerosas.
Muito se escreve sobre esse filme da perspectiva do homem fragilizado e emasculado (quiça, castrado!) diante da feminilidade traída (e por vezes, histérica), mas acredito que se trate mais do que isso (até por conta dos futuros questionamentos que Eastwood traria às telas), e para isso, trago uma lição adaptada da análise que Elizabeth Kantor faz da obra de Jane Austen: a miséria humana não é causada por estruturas tradicionais ou genêro, mas por pecados indivíduais (e como há pecados neste filme: assassinatos, incesto, estupro até uma certa dose de profanação). Mais, (e ainda no universo de Austen adaptado para esse filme), há uma evidente falta de auto-controle feminino no filme mas, sejamos justos, há uma abdicação de responsabilidades próprias de um homem no filme (lembrem-se que no filme ele apenas engana e trapaceia), e quando ao final do filme há a contrição do personagem de Eastwood e a aceitação de seu papel como Homem, já não há mais tempo e as rédeas do destino estão soltas.
E para encerrar, e desfazer a imagem de apenas um filme excêntrico nas carreiras de Siegel e Eastwood, gostaria de homenagear o espírito sulista com uma citação de sua maior escritora; "...there was a good deal of grotesque (in American Literatura) which came from the frontier and was supposed to be funny; but our present grotesque characters, comic thought they may be, are at least not primarily so. They seem to carry an invisible burden: their facaticism is a reproach, not merely an eccentrecy."
"Well, i'm a fast talking, hell raising, son of a bitch and i'm a sinner and i know how to fight well, i can leave you if i wanna, little baby and i'm gonna tonight. cause i got a bucket full of tears and a hard luck story there's a bad moon rising behind!" Whiskeytown
sábado, julho 10, 2010
quarta-feira, julho 07, 2010
Algumas idéias sobre Coogan's Bluff
O filme que marca a transição de Eastwood do cowboy solitário para a cidade grande, é também o primeiro filme com o diretor Don Siegel, que viria a tornar-se a segunda e talvez a principal influência no futuro de Eastwood no modo de lidar com a produção e direção de filmes (a primeira influência é Sérgio Leone). Juntos, fizeram dois dos mais memoráveis filmes do cânone eastwoodiano: Dirty Harry e Escape From Alcatraz.
Siegel começou a trabalhar na Warner em 1934, onde tornou-se responsável pelo departamento de montagens do estúdio (a montagem da abertura do filme Casablanca é dele), mais tarde, torna-se diretor, entre seus filmes, o Invasores de Corpos original, Hell is for Heroes com o iniciante Steve McQueen e com Lee Marvin em The Killers, como se não bastasse, dirigiu ninguém menos do que Elvis Presley no filme Flaming Star. Sua marca registrada era o fato de trabalhar dentro do orçamento (muitas vezes pequeno) e filmar de forma rápida e prática. A falta de um diretor aceitável, os vários roteiros insatisfatórios e um prazo curto para as filmagens, levaram Siegel ao set de Coogan's Bluff. E assim, a uma das parcerias mais importantes do cinema teve início.
O plot do filme é simples, um policial do Arizona (não é o Texas!) vai a Nova Iorque fazer a transferência de um preso para ser julgado no Arizona. Não podendo fazer a transferência de imediato, afinal o preso está em uma prisão-hospital recuperando-se de uma viagem de LSD, Coogan é obrigado a conviver com a cidade grande e esperar a liberação do bandido. Mas como Coogan acha que pode resolver as coisas a seu modo, termina por dar um blefe (daí o título do filme...mas pode ser também por conta da luta final, que ocorre em um parque em NY chamado Coogan's Bluff (ribanceira)). Mas as coisas saem do controle e ele vai ter que caçar o sujeito na urbana e decadente Nova Iorque.
Coogan, com seu jeito hora Wyatt Earp, hora Buffalo Bill, termina por ser a antítese mesma da cidade: as passagens dele interagindo com a fauna nova-iorquina apresenta cenas do mais absoluto politicamento incorreto. Feito em 1968 o filme vai totalmento contra o zeitgeist do momento. E a história é explícita neste ponto, afinal uma trama onde o herói é um hillbilly e os vilões estejam envolvidos com a sub-cultura hippie da época não tem como deixar mais claro de que lado o herói está.. (há uma cena de Coogan anda em meio a uma festa na boate "The Pigeon-Toed Orange Peel" cercado por hippies, gays e drogados, com projeções passando ao fundo cenas de fimes à la Warhol, (inclusive uma curiosa projeção de uma tarântula gigante, cena tirada de filme B que Eastwood fez nos anos 50), esta momento no filme é um dos mais ousadas defesas do indíviduo contra a massa left-wing já feita no cinema)... Mas também temos os conflitos com outros temas: a burocracia, que impede a rápida transferência do prisioneiro, o psicologismo que tenta compartimentar o Homem (é hilária a conversa de entre Coogan com uma psicóloga do departamento, que tenta analisar o comportamento dele, em um momento chamando-o de enigmático para o que ele responde"enig-what?", etc.
Howard Hughes, crítico de cinema e autor de Aim For The Heart - The Movies of C. Eatwood, também aponta que no tratamento aos criminosos é possível ver os primeiros indícios de Dirty Harry e há trechos do diálogo que irão ecoar depois na voz do detetive de São Francisco . Em uma cena, Coogan ameaça um hippie (Albert Popwell) que aponta um canivete para ele com a frase "Mister Wonderful whatever-your-name-is. You better drop that blade, or you won't believe what happens next - even while it's happening", curiosamente, Albert Popwell é o assaltante do início de Dirty Harry, o "punk" com sorte. Outra frase que remete diretamente a Harry é quando, ainda no Arizona, seu superior diz para ele que, continuando a agir como um "lonesome boy" ele irá ter que fazer "every lousy one-man job that comes along".
Com cenas de ação, ironia e um Eastwood ávido em observar e aprender com Siegel, Coogan's Bluff contém elementos que tornar-se-ão marca registrada da parceria Siegel/Eastwood. Uma boa trama, uma direção contida e prática, não perdendo tempo com psicologismos e discursos vazios. É simples, direto e funciona. Futuramente, obras-primas nasceriam desse método.
Siegel começou a trabalhar na Warner em 1934, onde tornou-se responsável pelo departamento de montagens do estúdio (a montagem da abertura do filme Casablanca é dele), mais tarde, torna-se diretor, entre seus filmes, o Invasores de Corpos original, Hell is for Heroes com o iniciante Steve McQueen e com Lee Marvin em The Killers, como se não bastasse, dirigiu ninguém menos do que Elvis Presley no filme Flaming Star. Sua marca registrada era o fato de trabalhar dentro do orçamento (muitas vezes pequeno) e filmar de forma rápida e prática. A falta de um diretor aceitável, os vários roteiros insatisfatórios e um prazo curto para as filmagens, levaram Siegel ao set de Coogan's Bluff. E assim, a uma das parcerias mais importantes do cinema teve início.
O plot do filme é simples, um policial do Arizona (não é o Texas!) vai a Nova Iorque fazer a transferência de um preso para ser julgado no Arizona. Não podendo fazer a transferência de imediato, afinal o preso está em uma prisão-hospital recuperando-se de uma viagem de LSD, Coogan é obrigado a conviver com a cidade grande e esperar a liberação do bandido. Mas como Coogan acha que pode resolver as coisas a seu modo, termina por dar um blefe (daí o título do filme...mas pode ser também por conta da luta final, que ocorre em um parque em NY chamado Coogan's Bluff (ribanceira)). Mas as coisas saem do controle e ele vai ter que caçar o sujeito na urbana e decadente Nova Iorque.
Coogan, com seu jeito hora Wyatt Earp, hora Buffalo Bill, termina por ser a antítese mesma da cidade: as passagens dele interagindo com a fauna nova-iorquina apresenta cenas do mais absoluto politicamento incorreto. Feito em 1968 o filme vai totalmento contra o zeitgeist do momento. E a história é explícita neste ponto, afinal uma trama onde o herói é um hillbilly e os vilões estejam envolvidos com a sub-cultura hippie da época não tem como deixar mais claro de que lado o herói está.. (há uma cena de Coogan anda em meio a uma festa na boate "The Pigeon-Toed Orange Peel" cercado por hippies, gays e drogados, com projeções passando ao fundo cenas de fimes à la Warhol, (inclusive uma curiosa projeção de uma tarântula gigante, cena tirada de filme B que Eastwood fez nos anos 50), esta momento no filme é um dos mais ousadas defesas do indíviduo contra a massa left-wing já feita no cinema)... Mas também temos os conflitos com outros temas: a burocracia, que impede a rápida transferência do prisioneiro, o psicologismo que tenta compartimentar o Homem (é hilária a conversa de entre Coogan com uma psicóloga do departamento, que tenta analisar o comportamento dele, em um momento chamando-o de enigmático para o que ele responde"enig-what?", etc.
Howard Hughes, crítico de cinema e autor de Aim For The Heart - The Movies of C. Eatwood, também aponta que no tratamento aos criminosos é possível ver os primeiros indícios de Dirty Harry e há trechos do diálogo que irão ecoar depois na voz do detetive de São Francisco . Em uma cena, Coogan ameaça um hippie (Albert Popwell) que aponta um canivete para ele com a frase "Mister Wonderful whatever-your-name-is. You better drop that blade, or you won't believe what happens next - even while it's happening", curiosamente, Albert Popwell é o assaltante do início de Dirty Harry, o "punk" com sorte. Outra frase que remete diretamente a Harry é quando, ainda no Arizona, seu superior diz para ele que, continuando a agir como um "lonesome boy" ele irá ter que fazer "every lousy one-man job that comes along".
Com cenas de ação, ironia e um Eastwood ávido em observar e aprender com Siegel, Coogan's Bluff contém elementos que tornar-se-ão marca registrada da parceria Siegel/Eastwood. Uma boa trama, uma direção contida e prática, não perdendo tempo com psicologismos e discursos vazios. É simples, direto e funciona. Futuramente, obras-primas nasceriam desse método.
segunda-feira, julho 05, 2010
Algumas idéias sobre "The Good, the Bad and the Ugly"
"Quando eu era pequeno, sonhava com westerns, heróis e bandidos..."
Sérgio Leone
"The Good, the Bad and the Ugly" foi o primeiro western, o primeio filme de Sérgio Leone e o primeiro filme de Eastwood que assisti. Isso foi em 1984 e acabara de ir morar com meu pai, com quem não vivia desde os 3 anos de idade. Não sei como, acredito que por causa de uma propaganda na TV anunciando a exibição do filme, meu pai disse que gostava muito dele.
O que sei é que fiquei a madrugada (pois o filme passou em uma das sessões do antigo Corujão, da Globo) encantado, ou melhor, embasbacado, pela jornada desses três cowboys tão estranhos, Angel Eyes, Tuco e Blondie (respectivamente interpretados por Lee Van Cleef, Eli Wallach e Clint Eastwood) através das paisagens ora desérticas, ora cheia de rostos que eram em si mesmos, paisagens marcadas pelo tempo.
A história se passa durante a Guerra entre os Estados (vulgarmente, Guerra Civil Americana), quando as forças Confederadas comandadas pelo General Sibley (um inapto, responsável pelo fracasso da expedição: uns dizem que por culpa do alcoolismo, outros, por covardia), invandem o Novo México a partir do Texas. Neste cenário devastado, encontraremos as três personagens, que, por coincidência, brutalidade ou destino, ficam sabendo que duzentos mil dólares em moedas de ouro estão enterrados em um cemitério.
Mas, para chegar ao ouro (e ao cemitério, isto é ao fim de tudo) é necessário antes, que eles atravessem experiências e situações que vão, como em toda boa história, revelando e afetando a personalidade deles.
E aqui, Leone já não tem as limitações orçamentárias de seus filmes anteriores, e com um grande estúdio por trás, floresce de vez o seu estilo, permitindo que a jornada seja grandiosa, quase homérica.
O filme é preenchido com uma sinfonia de sons naturais: é possível ouvir o vento soprando a areia do deserto, o ranger de portas, lonas sendo agitadas, o arrastar dos pés e o tilintar de esporas, o som das armas de fogo sendo engatilhadas. Toda essa sinfonia serve para abrir espaço para um dos mais bem utilizados elementos do filme: o silêncio, que tanto quanto a música orquestral (composta novamente por Ennio Morricone) é parte importante na criação da tensão ou preparação para a explosão de violência que muitas vezes se segue.
O impacto das imagens e dos rostos (imagino o que é ver esse filme em um cinema e não apenas na televisão), mesmo em uma tela pequena, é magnífico, devastador. Leone contrapõe grandes paisagens, a vastidão do oeste (não temos como acreditar que aquelas paisagens não são do Oeste Americano de John Ford, mas como diz o critíco e biógrafo de Eastwood, Richard Schickel, o que importa é que o diretor consiga uma "plausibilidade emocional" e não factual, assim, para nós, aquilo é o Novo México), essas tomadas, onde a vastidão parece engolir as personagens, de repente é cortada para um rosto em close-ups nunca vistos ou usados de maneira tão "fotográfica" ou estática no cinema (salvo nos próprios filmes de Leone). Para Leone, mesmo o mais insignificante dos extras merecia ter um rosto, merecia ter uma história revelada por suas rugas ou cicatrizes.
Para completar a narrativa, há ainda a impressionante música de Ennio Morricone, que compos a maior parte da trilha sonora antes de ser filmada qualquer cena do filme, o que levou muitos críticos a acreditarem na concepção operística do mesmo. Usando elementos modernos, Morricone foi capaz de captar e recriar a sinfonia de sons naturais do filme. O maior exemplo disso é no início do filme, onde ouvimos um coiote uivar ao fundo, dando o fraseado para a entrada de um dos temas mais reconhecidos da história dos westerns: "Ay-ey-ay-ey-ahhh!" e depois o "Wah-wah-wah!", que até hoje tem o poder de transportar o ouvinte para uma era de foras da lei, onde "as histórias tinham a liberdade para expressar qualquer tipo de ação, boa, má ou mais ou menos", nas palavras do próprio Leone. Mas outros temas são trabalhados magnifcamente, "La Carroza dei Fantasmi", "La Storia de Un Soldato" e o "Il Trielo" reforçam a mitologia do filme de forma inquestionável.
Uma das passagens mais tocantes e ao mesmo tempo violentas do filme (à época, críticas chegaram a dizer que a cena era de um masoquismo inaceitável), usa a canção "La Storia de Un Soldato", para abafar a tortura que o personagem de Tuco sofre nas mão do Sargento Wallace (Mario Brega) em um campo de concentração para soldados confederados. Esta cena é uma referência direta aos campos de concentração nazistas. Este tipo de referência será levada a novos patamares e discussões no filme "Duck, you sucker!", uma reflexão sobre a destruição causada pelas revoluções na vida e alma dos Homens.
Abaixo, a letra da música:
"Bugles are calling from prairie to shore,
"Sign up" and "Fall In" and march off to war.
Blue grass and cotton, burnt and forgotten
All hope seems gone so soldier march on to die.
Bugles are calling from prairie to shore,
"Sign up" and "Fall In" and march off to war.
There in the distance a flag I can see,
Scorched and in ribbons but whose can it be,
How ends the story, whose is the glory
Ask if we dare, our comrades out there who sleep."
A tríplice jornada (que leva aproximadamente 8 meses para ser completada), acompanha os personagens através de cidades devastadas pela guerra, desertos escaldantes e mortais, pequenos mosteiros que servem de abrigo para soldados mutilados, campos de concentração e por fim, a um vasto cemitério e a um caixão cheio de ouro.
Nesta jornada, as personalidades das personagens vai revelando-se para nós. Angel Eyes torna-se cada vez mais bruto e cruel, um ganâncioso e mesquinho assassino de aluguel. Tuco Ramirez, é o personagem mais interessante (e interpretado de forma dinâmica e explosiva por Eli Wallach, ele termina roubando o filme), o que mais se aproxima de nós, em sua amoralidade, em sua forma de buscar sobreviver e adaptar-se às situações mais extremas. Também é o único personagem que tem um passado, uma família (mesmo que fragmentada) e um apreço pela religião (o final, com Tuco equilibrando-se em uma cruz no cemitério, é mais um indicador da importância da religião católica para Leone, por mais fragilizada que ela se encontre em suas histórias). E Blondie, o personagem de Eastwood, é provavelmente o mais compassivo de seus personagens cowboys. Como bem nota Howard Hughes em sua análise da interpretação de Eastwood, aqui há "mais segurança e menos esforço, ele domina os maneirismos do personagem de forma completa...o meio sorriso, os longos silencios, o cigarro em sua boca. Mas ao mesmo tempo encontramos momentos de maior humildade e humanidade, que mesmo nos personagens (cowboys) mais maduros de Eastwood seriam raros"
Este foi o último trabalho de Leone com Eastwood, eles não trabalhariam juntos e por muito tempo, Leone guardou mágoas com Eastwood por conta da recusa deste em trabalhar novamente nos projetos do diretor. Seja por estar cansado do mesmo personagem, seja por não querer envolver-se em projetos maiores (ou gigantescos, para ser justo com o ego de Leone), sabe-se que pouco antes da morte de Leone, eles encontraram-se e tiveram bons momentos juntos. Unforgiven, a obra-prima de Eastwood foi dedicado a doisde seus mestres, Donald Siegel e Sérgio Leone.
Essa é uma apresentação de um cineasta que mesmo apaixonado pelo Western, ousou violar a forma e a tradição deste, aprofundando os temas e a estética, revitalizando o gênero e tornando-o moderno. Dessa forma, Leone consegue aprofundar também temas como ética, religião, amizade e família de forma a resgatar esses elementos na história de seus personagens e sua importância para a vida cotidiana.
Mas isso tudo, toda essa análise acima, nada mais é do que tentar transpor o sentimento, a emoção, a fantasia que invadiu a mente de um garoto há muitos anos atrás, e que, fazem parte da minha vida até hoje. Mesmo através daquelas imagens de um colorido vago (era uma velha TV a do meu pai), a força do filme, sua mitologia e magnitude deixaram uma indelével marca e entraram para o meu cânone pessoal.
E sempre que vejo o filme,ao final, "Il Trielo" ecoando, Blondie cavalgando na vasta paisagem e as últimas palavras de Tuco Ramirez, tenho vontade de levantar-me, aplaudir e gritar "Bravo! Bravo! Bravo!" "Grazie Signore Leone!"...e refletindo neste momento, ainda tenho que agradecer ao meu pai por ter, sem saber, mostrado uma das maiores obras-primas do cinema para seu filho.
Sérgio Leone
"The Good, the Bad and the Ugly" foi o primeiro western, o primeio filme de Sérgio Leone e o primeiro filme de Eastwood que assisti. Isso foi em 1984 e acabara de ir morar com meu pai, com quem não vivia desde os 3 anos de idade. Não sei como, acredito que por causa de uma propaganda na TV anunciando a exibição do filme, meu pai disse que gostava muito dele.
O que sei é que fiquei a madrugada (pois o filme passou em uma das sessões do antigo Corujão, da Globo) encantado, ou melhor, embasbacado, pela jornada desses três cowboys tão estranhos, Angel Eyes, Tuco e Blondie (respectivamente interpretados por Lee Van Cleef, Eli Wallach e Clint Eastwood) através das paisagens ora desérticas, ora cheia de rostos que eram em si mesmos, paisagens marcadas pelo tempo.
A história se passa durante a Guerra entre os Estados (vulgarmente, Guerra Civil Americana), quando as forças Confederadas comandadas pelo General Sibley (um inapto, responsável pelo fracasso da expedição: uns dizem que por culpa do alcoolismo, outros, por covardia), invandem o Novo México a partir do Texas. Neste cenário devastado, encontraremos as três personagens, que, por coincidência, brutalidade ou destino, ficam sabendo que duzentos mil dólares em moedas de ouro estão enterrados em um cemitério.
Mas, para chegar ao ouro (e ao cemitério, isto é ao fim de tudo) é necessário antes, que eles atravessem experiências e situações que vão, como em toda boa história, revelando e afetando a personalidade deles.
E aqui, Leone já não tem as limitações orçamentárias de seus filmes anteriores, e com um grande estúdio por trás, floresce de vez o seu estilo, permitindo que a jornada seja grandiosa, quase homérica.
O filme é preenchido com uma sinfonia de sons naturais: é possível ouvir o vento soprando a areia do deserto, o ranger de portas, lonas sendo agitadas, o arrastar dos pés e o tilintar de esporas, o som das armas de fogo sendo engatilhadas. Toda essa sinfonia serve para abrir espaço para um dos mais bem utilizados elementos do filme: o silêncio, que tanto quanto a música orquestral (composta novamente por Ennio Morricone) é parte importante na criação da tensão ou preparação para a explosão de violência que muitas vezes se segue.
O impacto das imagens e dos rostos (imagino o que é ver esse filme em um cinema e não apenas na televisão), mesmo em uma tela pequena, é magnífico, devastador. Leone contrapõe grandes paisagens, a vastidão do oeste (não temos como acreditar que aquelas paisagens não são do Oeste Americano de John Ford, mas como diz o critíco e biógrafo de Eastwood, Richard Schickel, o que importa é que o diretor consiga uma "plausibilidade emocional" e não factual, assim, para nós, aquilo é o Novo México), essas tomadas, onde a vastidão parece engolir as personagens, de repente é cortada para um rosto em close-ups nunca vistos ou usados de maneira tão "fotográfica" ou estática no cinema (salvo nos próprios filmes de Leone). Para Leone, mesmo o mais insignificante dos extras merecia ter um rosto, merecia ter uma história revelada por suas rugas ou cicatrizes.
Para completar a narrativa, há ainda a impressionante música de Ennio Morricone, que compos a maior parte da trilha sonora antes de ser filmada qualquer cena do filme, o que levou muitos críticos a acreditarem na concepção operística do mesmo. Usando elementos modernos, Morricone foi capaz de captar e recriar a sinfonia de sons naturais do filme. O maior exemplo disso é no início do filme, onde ouvimos um coiote uivar ao fundo, dando o fraseado para a entrada de um dos temas mais reconhecidos da história dos westerns: "Ay-ey-ay-ey-ahhh!" e depois o "Wah-wah-wah!", que até hoje tem o poder de transportar o ouvinte para uma era de foras da lei, onde "as histórias tinham a liberdade para expressar qualquer tipo de ação, boa, má ou mais ou menos", nas palavras do próprio Leone. Mas outros temas são trabalhados magnifcamente, "La Carroza dei Fantasmi", "La Storia de Un Soldato" e o "Il Trielo" reforçam a mitologia do filme de forma inquestionável.
Uma das passagens mais tocantes e ao mesmo tempo violentas do filme (à época, críticas chegaram a dizer que a cena era de um masoquismo inaceitável), usa a canção "La Storia de Un Soldato", para abafar a tortura que o personagem de Tuco sofre nas mão do Sargento Wallace (Mario Brega) em um campo de concentração para soldados confederados. Esta cena é uma referência direta aos campos de concentração nazistas. Este tipo de referência será levada a novos patamares e discussões no filme "Duck, you sucker!", uma reflexão sobre a destruição causada pelas revoluções na vida e alma dos Homens.
Abaixo, a letra da música:
"Bugles are calling from prairie to shore,
"Sign up" and "Fall In" and march off to war.
Blue grass and cotton, burnt and forgotten
All hope seems gone so soldier march on to die.
Bugles are calling from prairie to shore,
"Sign up" and "Fall In" and march off to war.
There in the distance a flag I can see,
Scorched and in ribbons but whose can it be,
How ends the story, whose is the glory
Ask if we dare, our comrades out there who sleep."
A tríplice jornada (que leva aproximadamente 8 meses para ser completada), acompanha os personagens através de cidades devastadas pela guerra, desertos escaldantes e mortais, pequenos mosteiros que servem de abrigo para soldados mutilados, campos de concentração e por fim, a um vasto cemitério e a um caixão cheio de ouro.
Nesta jornada, as personalidades das personagens vai revelando-se para nós. Angel Eyes torna-se cada vez mais bruto e cruel, um ganâncioso e mesquinho assassino de aluguel. Tuco Ramirez, é o personagem mais interessante (e interpretado de forma dinâmica e explosiva por Eli Wallach, ele termina roubando o filme), o que mais se aproxima de nós, em sua amoralidade, em sua forma de buscar sobreviver e adaptar-se às situações mais extremas. Também é o único personagem que tem um passado, uma família (mesmo que fragmentada) e um apreço pela religião (o final, com Tuco equilibrando-se em uma cruz no cemitério, é mais um indicador da importância da religião católica para Leone, por mais fragilizada que ela se encontre em suas histórias). E Blondie, o personagem de Eastwood, é provavelmente o mais compassivo de seus personagens cowboys. Como bem nota Howard Hughes em sua análise da interpretação de Eastwood, aqui há "mais segurança e menos esforço, ele domina os maneirismos do personagem de forma completa...o meio sorriso, os longos silencios, o cigarro em sua boca. Mas ao mesmo tempo encontramos momentos de maior humildade e humanidade, que mesmo nos personagens (cowboys) mais maduros de Eastwood seriam raros"
Este foi o último trabalho de Leone com Eastwood, eles não trabalhariam juntos e por muito tempo, Leone guardou mágoas com Eastwood por conta da recusa deste em trabalhar novamente nos projetos do diretor. Seja por estar cansado do mesmo personagem, seja por não querer envolver-se em projetos maiores (ou gigantescos, para ser justo com o ego de Leone), sabe-se que pouco antes da morte de Leone, eles encontraram-se e tiveram bons momentos juntos. Unforgiven, a obra-prima de Eastwood foi dedicado a doisde seus mestres, Donald Siegel e Sérgio Leone.
Essa é uma apresentação de um cineasta que mesmo apaixonado pelo Western, ousou violar a forma e a tradição deste, aprofundando os temas e a estética, revitalizando o gênero e tornando-o moderno. Dessa forma, Leone consegue aprofundar também temas como ética, religião, amizade e família de forma a resgatar esses elementos na história de seus personagens e sua importância para a vida cotidiana.
Mas isso tudo, toda essa análise acima, nada mais é do que tentar transpor o sentimento, a emoção, a fantasia que invadiu a mente de um garoto há muitos anos atrás, e que, fazem parte da minha vida até hoje. Mesmo através daquelas imagens de um colorido vago (era uma velha TV a do meu pai), a força do filme, sua mitologia e magnitude deixaram uma indelével marca e entraram para o meu cânone pessoal.
E sempre que vejo o filme,ao final, "Il Trielo" ecoando, Blondie cavalgando na vasta paisagem e as últimas palavras de Tuco Ramirez, tenho vontade de levantar-me, aplaudir e gritar "Bravo! Bravo! Bravo!" "Grazie Signore Leone!"...e refletindo neste momento, ainda tenho que agradecer ao meu pai por ter, sem saber, mostrado uma das maiores obras-primas do cinema para seu filho.
domingo, julho 04, 2010
O Diário da Felicidade
Texto publicado na Dicta & Contradicta, v.5 (a edição holandesa...)
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A medida de nós mesmos
G.K.Chesterton, em seu Ortodoxia, definiu dessa forma a felicidade humana: "A perfeita felicidade dos homens sobre a terra... não será uma coisa plana e sólida, como a satisfação dos animais. Será um equilíbrio exato e perigoso: como o equilíbrio de um romance desesperado. O homem precisa ter a medida exata e suficiente de fé em si mesmo para ter aventuras: e ter a medida exata e suficiente de dúvida de si mesmo para desfrutá-las".
Se houve um homem que soube o que é esta felicidade anunciada por Chesterton, foi Nicolae Steinhardt. Creio que os leitores da Dicta já terão tido contato nestes últimos meses com a obra do monge romeno, chamada curiosa e paradoxalmente de O diário da felicidade. Se não é o caso, por favor, deixem que estas mal-traçadas linhas humildemente os leve a se interessar pelo mais importante livro publicado no ano de 2009.
A publicação d’O Diário da Felicidade na última semana do ano de 2009 (ano de exaltação tupinambá graças às conquistas lulistas: pré-sal, jogos olímpicos, vox-populi na casa dos 80% de aprovação), mostra que Deus pode andar ocupado, mas ainda opera seus pequenos milagres por estas bandas.
Para entender este milagre, ou o entusiasmo deste escriba, basta folhear o livro e deixar-se levar. Levar pela sinceridade provocadora, coragem (é este o pilar da obra) e uma surpresa: ao ler o livro recordo-me do poeta Bruno Tolentino. Nota-se que homens de vidas tão distintas encontram no cristianismo uma força avassaladora e que pessoas que vivem vidas tão opostas compreendem que a graça divina pode ser encontrada até nas situações mais desesperadoras (ou mesmo modestas, pois não são necessário apenas os dramas) – e isto comove o coração.
Mas além de uma defesa vital do cristianismo, o livro é um guia para medirmos a nós mesmos. Homens como Steinhardt, nascido judeu mas convertido enquanto estava preso pela Securitate romena, revelam mais do que a nossa pequenez: desnudam também os nossos pecados. Sim, pois ao lermos as páginas, ao depararmo-nos com aquelas situações absurdas de um sujeito preso e denunciado por seus pares, somos forçados a reconhecer que o nascimento das tiranias nasce não de uma vontade abstrata, mas de nossa própria tirania interior: dos nossos indizíveis pecados; das nossas mentiras e negações; covardias e delações, refletidas, alimentadas e nutridas por toda uma geração de homens trivialmente pecaminosos – é aí que surge o grande Leviatã a nos devorar.
A tirania moderna, a que desponta nesta primeira década do séc. XXI, já não é o totalitarismo nazista ou comunista. Não, o Leviatã moderno é uma entidade que nasceu e nos vigia, nos acusa e denuncia no olhar de nossos amigos, de nossos pais e irmãos, de nossos filhos e amados. Quer nos tiranizar com afago e desprezo, ao moldar o pequeno verme em nosso peito; tentando-nos ao nos esmagar sob o conformismo e o medo de sermos abandonados por aqueles mesmos que amamos.
E é necessário lembrarmos que há toda uma pletora de intelectuais, artistas e políticos que conseguiram, com seu afã de nos livrar de Deus, transformar o mal em algo prosaico. Um aborto, uma família dessacralizada, o uso de narcóticos, a pedofilia... tudo simplificado e ressignificado como meras banalidades. Ao fazerem isso, tornaram a vida menos importante que a bala que perfura nossa nuca ao fim de tudo.
Um das lições mais importantes do livro de Steinhardt é resgatar essa certeza e essa concretude do mal. Pois ele existe!; permanece dentro de nós, mesmo após nossas justificativas, nossas distorções e construções mentais.
Um câncer não confessado, que cresce e consome tudo à nossa volta.
O Diário da Felicidade, mais do que o testemunho de um sobrevivente no inferno do totalitarismo, é o próprio resgate daquilo que nos torna novamente homens: a coragem para enfrentar o drama do ser humano concreto. Daqueles que não temem confrontar o problema do pecado e da redenção, daqueles que sabem que, no final, é isto que importa. E a prova maior disso está nos seguintes trechos:
"Milhares de diabos me formigam quando vejo como o cristianismo é confundido com a tolice, com uma espécie de piedade tola e covarde, uma bondieuserie (beatice), como se o destino do cristianismo não fosse senão deixar o mundo ser escarnecido pelas forças do mal, e ele, em si, facilitasse as más ações, dado que é por definição condenado à cegueira e à paraplegia."
Ou
"Em parte nenhuma e nunca Cristo nos pediu para sermos tolos. Chama-nos para sermos bons, brandos, honestos, humildes de coração, mas não idiotas."
E como alerta para nós, embasbacados e idiotizados pela nossa brasilidade, pelo nosso novo e futurista país, fica o alerta visionário do pai de Nicolae, Oscar Steinhardt, que em 1944, ao ver o filho admirado com entrada dos tanques russos em Bucareste, saudou-o e disse: "Paraste para olhar, animal, paraste para olhar todos e não sabes o que te espera, vê como riem, mas vão chorar lágrimas amargas e também tu..."
Se este é um dos exemplos da medida de nós mesmos, que fiquemos com os exemplos maiores, como o do próprio Steinhardt, que, na abertura de seu livro, afirma que, em qualquer ambiente de espírito totalitário, existem apenas três soluções, inspiradas, respectivamente, em Alexander Solzhenistyn, Vladimir Bukovsky e Winston Churchill. A primeira é fingir-se de homem morto, para não ser tentado pelas ilusões do mundo; a segunda é dar uma de louco, como um pária da sociedade, para que ninguém o leve a sério apesar de você gritar a verdade aos quatro cantos do universo; e a terceira é o famoso exemplo do vergo, mas não quebro, quando alguém encontra suas maiores forças no exato momento em que tudo parece se despedaçar. Steinhardt, depois de sua prisão e de sua conversão, só pode encontrar a verdadeira benção que é a felicidade depois de ter se espelhado nestes três exemplos.
E você, caro leitor, qual exemplo pretende seguir?
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A medida de nós mesmos
G.K.Chesterton, em seu Ortodoxia, definiu dessa forma a felicidade humana: "A perfeita felicidade dos homens sobre a terra... não será uma coisa plana e sólida, como a satisfação dos animais. Será um equilíbrio exato e perigoso: como o equilíbrio de um romance desesperado. O homem precisa ter a medida exata e suficiente de fé em si mesmo para ter aventuras: e ter a medida exata e suficiente de dúvida de si mesmo para desfrutá-las".
Se houve um homem que soube o que é esta felicidade anunciada por Chesterton, foi Nicolae Steinhardt. Creio que os leitores da Dicta já terão tido contato nestes últimos meses com a obra do monge romeno, chamada curiosa e paradoxalmente de O diário da felicidade. Se não é o caso, por favor, deixem que estas mal-traçadas linhas humildemente os leve a se interessar pelo mais importante livro publicado no ano de 2009.
A publicação d’O Diário da Felicidade na última semana do ano de 2009 (ano de exaltação tupinambá graças às conquistas lulistas: pré-sal, jogos olímpicos, vox-populi na casa dos 80% de aprovação), mostra que Deus pode andar ocupado, mas ainda opera seus pequenos milagres por estas bandas.
Para entender este milagre, ou o entusiasmo deste escriba, basta folhear o livro e deixar-se levar. Levar pela sinceridade provocadora, coragem (é este o pilar da obra) e uma surpresa: ao ler o livro recordo-me do poeta Bruno Tolentino. Nota-se que homens de vidas tão distintas encontram no cristianismo uma força avassaladora e que pessoas que vivem vidas tão opostas compreendem que a graça divina pode ser encontrada até nas situações mais desesperadoras (ou mesmo modestas, pois não são necessário apenas os dramas) – e isto comove o coração.
Mas além de uma defesa vital do cristianismo, o livro é um guia para medirmos a nós mesmos. Homens como Steinhardt, nascido judeu mas convertido enquanto estava preso pela Securitate romena, revelam mais do que a nossa pequenez: desnudam também os nossos pecados. Sim, pois ao lermos as páginas, ao depararmo-nos com aquelas situações absurdas de um sujeito preso e denunciado por seus pares, somos forçados a reconhecer que o nascimento das tiranias nasce não de uma vontade abstrata, mas de nossa própria tirania interior: dos nossos indizíveis pecados; das nossas mentiras e negações; covardias e delações, refletidas, alimentadas e nutridas por toda uma geração de homens trivialmente pecaminosos – é aí que surge o grande Leviatã a nos devorar.
A tirania moderna, a que desponta nesta primeira década do séc. XXI, já não é o totalitarismo nazista ou comunista. Não, o Leviatã moderno é uma entidade que nasceu e nos vigia, nos acusa e denuncia no olhar de nossos amigos, de nossos pais e irmãos, de nossos filhos e amados. Quer nos tiranizar com afago e desprezo, ao moldar o pequeno verme em nosso peito; tentando-nos ao nos esmagar sob o conformismo e o medo de sermos abandonados por aqueles mesmos que amamos.
E é necessário lembrarmos que há toda uma pletora de intelectuais, artistas e políticos que conseguiram, com seu afã de nos livrar de Deus, transformar o mal em algo prosaico. Um aborto, uma família dessacralizada, o uso de narcóticos, a pedofilia... tudo simplificado e ressignificado como meras banalidades. Ao fazerem isso, tornaram a vida menos importante que a bala que perfura nossa nuca ao fim de tudo.
Um das lições mais importantes do livro de Steinhardt é resgatar essa certeza e essa concretude do mal. Pois ele existe!; permanece dentro de nós, mesmo após nossas justificativas, nossas distorções e construções mentais.
Um câncer não confessado, que cresce e consome tudo à nossa volta.
O Diário da Felicidade, mais do que o testemunho de um sobrevivente no inferno do totalitarismo, é o próprio resgate daquilo que nos torna novamente homens: a coragem para enfrentar o drama do ser humano concreto. Daqueles que não temem confrontar o problema do pecado e da redenção, daqueles que sabem que, no final, é isto que importa. E a prova maior disso está nos seguintes trechos:
"Milhares de diabos me formigam quando vejo como o cristianismo é confundido com a tolice, com uma espécie de piedade tola e covarde, uma bondieuserie (beatice), como se o destino do cristianismo não fosse senão deixar o mundo ser escarnecido pelas forças do mal, e ele, em si, facilitasse as más ações, dado que é por definição condenado à cegueira e à paraplegia."
Ou
"Em parte nenhuma e nunca Cristo nos pediu para sermos tolos. Chama-nos para sermos bons, brandos, honestos, humildes de coração, mas não idiotas."
E como alerta para nós, embasbacados e idiotizados pela nossa brasilidade, pelo nosso novo e futurista país, fica o alerta visionário do pai de Nicolae, Oscar Steinhardt, que em 1944, ao ver o filho admirado com entrada dos tanques russos em Bucareste, saudou-o e disse: "Paraste para olhar, animal, paraste para olhar todos e não sabes o que te espera, vê como riem, mas vão chorar lágrimas amargas e também tu..."
Se este é um dos exemplos da medida de nós mesmos, que fiquemos com os exemplos maiores, como o do próprio Steinhardt, que, na abertura de seu livro, afirma que, em qualquer ambiente de espírito totalitário, existem apenas três soluções, inspiradas, respectivamente, em Alexander Solzhenistyn, Vladimir Bukovsky e Winston Churchill. A primeira é fingir-se de homem morto, para não ser tentado pelas ilusões do mundo; a segunda é dar uma de louco, como um pária da sociedade, para que ninguém o leve a sério apesar de você gritar a verdade aos quatro cantos do universo; e a terceira é o famoso exemplo do vergo, mas não quebro, quando alguém encontra suas maiores forças no exato momento em que tudo parece se despedaçar. Steinhardt, depois de sua prisão e de sua conversão, só pode encontrar a verdadeira benção que é a felicidade depois de ter se espelhado nestes três exemplos.
E você, caro leitor, qual exemplo pretende seguir?
quinta-feira, julho 01, 2010
"Duck, you sucker!" ou "A Fistfull of Dynamite"...
...ou ainda, "Once upon a time in the Revolution".
Pela variedade de títulos dados ao filme, já podemos antever a confusão que envolveu a produção deste que talvez seja o mais profundo filme de Leone.
Ambientada na Revolução Mexicana, "Duck, you sucker!" conta a história de amizade entre Juan Miranda (Rod Steiger) e John Mallory (James Coburn). Dois personagens que irão crescer ao longo da trama e dos acontecimentos da Revolução.
Mas antes, alguns detalhes sobre a produção do filme:
Em primeiro lugar a direção do filme não era inicialmente de Leone. O primeiro nome escolhido foi de Peter Bogdanovich, que abandona o set por razões diversas. Uma delas indica que Leone, apesar de não dirigir o filme, fazia-se presente, e em uma discussão com Bogdanovich, insiste para este que há necessidade de close-ups (marca característica de Leone), Bogdanovich termina a conversa dizendo simplesmente que não gosta da técnica. Outro nome cotado foi o de Sam Peckinpah. Ao final, Giancarlo Santi, que era assistente de direção de Leone, assume o comando, mas logo Coburn e Steiger convencem Sérgio de que ele devia dirigir o filme afinal.
A escolha dos atores também não foi fácil, variando de Jason Robards a Clint Eastwood, o papel de John Mallory terminou com James Coburn (que no ano anterior havia interpretado soberbamente Pat Garrett no filme de Sam Peckinpah - Pat Garret & Billy, the Kid). Para o personagem de Juan Miranda, a escolha inical era de Eli Wallach (Tuco, de The Good, the Bad...), mas com a recusa deste e a pressão do estúdio por um ator mais conhecido, o papel termina nas mãos de Rod Steiger.
Mas o grande problema do filme são acontecem na montagem. Esta termina por cortar várias cenas que eram, ou muito violentas e profanas ou abordavam questões políticas que eram sensíveis à época, o que foi (e é uma pena),. O filme ainda teve exibições com cópias ruins, com lapsos de roteiro gritantes (dois desses lapsos permanecem mesmo na edição restaurada. Existem fotos que mostram as cenas, mas não foi possível a recuperação delas).
Ainda houve uma confusão dos diabos por conta da escolha do títulos, que variou nos EUA de "Duck, you sucker!" a "A Fistfull of Dynamite", o título mais apropriado "Once Upon A Time in the Revolution" foi usado na França.
Voltando à trama:
"Revolution is not a dinner party, nor an essay, nor a painting, nor a piece of embroidery; it cannot be advanced softly, gradually, carefully, considerately, respectfully, politely, plainly, and modestly. A revolution is an insurrection, an act of violence..." Mao Zedong
A história começa apresentando o personagem de Steiger, Juan Miranda, um bandido mexicano que com sua família de pequenos bandidos (é entre o hilário e o assustador que vemos crianças agindo de forma violenta e carregando armas, de forma realista aqui, não com aspecto de paródia como em "Kick-Ass")...mas a família de Miranda, apesar do anarquismo e violência, é a representação máxima da importância do núcleo familiar, dos laços de sangue e de amizade.
Ao final de um assalto, Miranda e sua família ouvem explosões e terminam por encontrar John Mallory, um especialista em explosivos e fugitivo da coroa Britânica por ser ativista do IRA.
Juan e John, ou Johnny & Johnny, formam uma camaradagem entre o cômico e o cínico, um tripudiando do outro e trocando farpas recíprocas, mas durante a trama, ou durante os fatos da Revolução esta amizada irá se aprofundar, e criar laços mais fortes do que uma simples camaradagem.
Logo descobrimos que Mallory está unido com os revolucionários que planejam a destituição de Porfírio Dias, mas suas conversas com Miranda vão mostrando para ele que a realidade e as consequências de uma revolução é outra, não aquela idealizada pelos revolucionários.
Em uma cena onde Mallory discute os ideais da revolução, é Miranda que diz a verdade: "Uma revolução nada mais é que pessoas que sabem ler, dizem as que não sabem, que as coisas tem que mudar! E no final, as pessoas que sabem ler, continuam comendo e bebendo em suas mesas e as que não sabem ler, os pobres, sabe o que acontece com eles? Estão todos mortos!" Afetado por estas palavras, Mallory joga na lama um livro que está lendo "O Espírito Nacionalista" de Michael Bakunin. É uma das cenas mais importantes do filme, onde o "intelectual revolucionário" se dá conta, através do "homem comum", de um "pai de família", que "ideas have consequences".
Mas os acontecimentos da revolução vão engolindo os dois personagens: traições, assassinatos em massa (de ambos os lados do conflito) e tragédias pessoais, vão tornando o filme, inicialmente bem humorado e leve, em sombrio e melancólico. Dos filmes de Leone, este talvez seja aquele que vai mais profundamente na construção trágica dos personagens. É um filme onde, diferente dos outros, as ações trazem consequências, e pessoas e famílias morrem por conta dessas ações.
Outro aspecto importante é que, apesar de Leone afirmar que não era um filme político, não tem como não perceber sua intenção em derribar o "Mito da Revolução", mostrando que nada de bom pode acontecer em uma revolução, não há redenção, não há heróis, nada resta de sagrado ou familiar. Há apenas, uma violência, por vezes descontrolada, por vezes mecanizada e assustadoramente repetitiva.
Ao terminar o filme, com estupor, percebemos que o que importa nesta vida pode ser resumido em três coisas: amizades, família e religião. E que ao perdermos tudo isso, só nos resta perguntar "Que farei agora?"
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A edição que assisti é a edição restaurada de em 157 minutos que a MGM lançou em DVD em 2007.
Esta edição trás cenas inéditas que foram inseridas na trama, entre elas, uma espetacular sequência de assassinatos em massa que ecoa toda a tragédia dos genocídios do Séc. XX.
Infelizmente duas cenas cruciais para a trama não foram encontradas...uma que mostrava o personagem de Coburn sendo torturado por um dos filhos de Miranda (ele é obrigado a andar pelo deserto, como Tuco faz com Blondie em "The Good, the Bad...) e outra, talvez a mais importante, onde um dos cabeças dos revolucionários, Doutor Villega, é torturado e entrega seus amigos, causando mortes que irão afetar os personagens profundamente.
====================================================================
Sobre as consequências e tragédias provocadas pelas revoluções, recomendo assisitir a três outros filmes: "Marie Antoniette" de Sofia Coppola, "A inglesa e o duque" de Eric Rohmer, e não sendo uma revolução, mas uma guerra civil, não há melhor paralelo para "Suck, you duck!" do que o filme "Shenandoah" de 1965, filme de Andrew McLaglen, com James Stewart no papel de um chefe de uma família no estado da Virgínia que é engolida pela "Guerra entre os Estados". Mas aqui, ao contrário do filme de Leone, há esperança ao final.
Pela variedade de títulos dados ao filme, já podemos antever a confusão que envolveu a produção deste que talvez seja o mais profundo filme de Leone.
Ambientada na Revolução Mexicana, "Duck, you sucker!" conta a história de amizade entre Juan Miranda (Rod Steiger) e John Mallory (James Coburn). Dois personagens que irão crescer ao longo da trama e dos acontecimentos da Revolução.
Mas antes, alguns detalhes sobre a produção do filme:
Em primeiro lugar a direção do filme não era inicialmente de Leone. O primeiro nome escolhido foi de Peter Bogdanovich, que abandona o set por razões diversas. Uma delas indica que Leone, apesar de não dirigir o filme, fazia-se presente, e em uma discussão com Bogdanovich, insiste para este que há necessidade de close-ups (marca característica de Leone), Bogdanovich termina a conversa dizendo simplesmente que não gosta da técnica. Outro nome cotado foi o de Sam Peckinpah. Ao final, Giancarlo Santi, que era assistente de direção de Leone, assume o comando, mas logo Coburn e Steiger convencem Sérgio de que ele devia dirigir o filme afinal.
A escolha dos atores também não foi fácil, variando de Jason Robards a Clint Eastwood, o papel de John Mallory terminou com James Coburn (que no ano anterior havia interpretado soberbamente Pat Garrett no filme de Sam Peckinpah - Pat Garret & Billy, the Kid). Para o personagem de Juan Miranda, a escolha inical era de Eli Wallach (Tuco, de The Good, the Bad...), mas com a recusa deste e a pressão do estúdio por um ator mais conhecido, o papel termina nas mãos de Rod Steiger.
Mas o grande problema do filme são acontecem na montagem. Esta termina por cortar várias cenas que eram, ou muito violentas e profanas ou abordavam questões políticas que eram sensíveis à época, o que foi (e é uma pena),. O filme ainda teve exibições com cópias ruins, com lapsos de roteiro gritantes (dois desses lapsos permanecem mesmo na edição restaurada. Existem fotos que mostram as cenas, mas não foi possível a recuperação delas).
Ainda houve uma confusão dos diabos por conta da escolha do títulos, que variou nos EUA de "Duck, you sucker!" a "A Fistfull of Dynamite", o título mais apropriado "Once Upon A Time in the Revolution" foi usado na França.
Voltando à trama:
"Revolution is not a dinner party, nor an essay, nor a painting, nor a piece of embroidery; it cannot be advanced softly, gradually, carefully, considerately, respectfully, politely, plainly, and modestly. A revolution is an insurrection, an act of violence..." Mao Zedong
A história começa apresentando o personagem de Steiger, Juan Miranda, um bandido mexicano que com sua família de pequenos bandidos (é entre o hilário e o assustador que vemos crianças agindo de forma violenta e carregando armas, de forma realista aqui, não com aspecto de paródia como em "Kick-Ass")...mas a família de Miranda, apesar do anarquismo e violência, é a representação máxima da importância do núcleo familiar, dos laços de sangue e de amizade.
Ao final de um assalto, Miranda e sua família ouvem explosões e terminam por encontrar John Mallory, um especialista em explosivos e fugitivo da coroa Britânica por ser ativista do IRA.
Juan e John, ou Johnny & Johnny, formam uma camaradagem entre o cômico e o cínico, um tripudiando do outro e trocando farpas recíprocas, mas durante a trama, ou durante os fatos da Revolução esta amizada irá se aprofundar, e criar laços mais fortes do que uma simples camaradagem.
Logo descobrimos que Mallory está unido com os revolucionários que planejam a destituição de Porfírio Dias, mas suas conversas com Miranda vão mostrando para ele que a realidade e as consequências de uma revolução é outra, não aquela idealizada pelos revolucionários.
Em uma cena onde Mallory discute os ideais da revolução, é Miranda que diz a verdade: "Uma revolução nada mais é que pessoas que sabem ler, dizem as que não sabem, que as coisas tem que mudar! E no final, as pessoas que sabem ler, continuam comendo e bebendo em suas mesas e as que não sabem ler, os pobres, sabe o que acontece com eles? Estão todos mortos!" Afetado por estas palavras, Mallory joga na lama um livro que está lendo "O Espírito Nacionalista" de Michael Bakunin. É uma das cenas mais importantes do filme, onde o "intelectual revolucionário" se dá conta, através do "homem comum", de um "pai de família", que "ideas have consequences".
Mas os acontecimentos da revolução vão engolindo os dois personagens: traições, assassinatos em massa (de ambos os lados do conflito) e tragédias pessoais, vão tornando o filme, inicialmente bem humorado e leve, em sombrio e melancólico. Dos filmes de Leone, este talvez seja aquele que vai mais profundamente na construção trágica dos personagens. É um filme onde, diferente dos outros, as ações trazem consequências, e pessoas e famílias morrem por conta dessas ações.
Outro aspecto importante é que, apesar de Leone afirmar que não era um filme político, não tem como não perceber sua intenção em derribar o "Mito da Revolução", mostrando que nada de bom pode acontecer em uma revolução, não há redenção, não há heróis, nada resta de sagrado ou familiar. Há apenas, uma violência, por vezes descontrolada, por vezes mecanizada e assustadoramente repetitiva.
Ao terminar o filme, com estupor, percebemos que o que importa nesta vida pode ser resumido em três coisas: amizades, família e religião. E que ao perdermos tudo isso, só nos resta perguntar "Que farei agora?"
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A edição que assisti é a edição restaurada de em 157 minutos que a MGM lançou em DVD em 2007.
Esta edição trás cenas inéditas que foram inseridas na trama, entre elas, uma espetacular sequência de assassinatos em massa que ecoa toda a tragédia dos genocídios do Séc. XX.
Infelizmente duas cenas cruciais para a trama não foram encontradas...uma que mostrava o personagem de Coburn sendo torturado por um dos filhos de Miranda (ele é obrigado a andar pelo deserto, como Tuco faz com Blondie em "The Good, the Bad...) e outra, talvez a mais importante, onde um dos cabeças dos revolucionários, Doutor Villega, é torturado e entrega seus amigos, causando mortes que irão afetar os personagens profundamente.
====================================================================
Sobre as consequências e tragédias provocadas pelas revoluções, recomendo assisitir a três outros filmes: "Marie Antoniette" de Sofia Coppola, "A inglesa e o duque" de Eric Rohmer, e não sendo uma revolução, mas uma guerra civil, não há melhor paralelo para "Suck, you duck!" do que o filme "Shenandoah" de 1965, filme de Andrew McLaglen, com James Stewart no papel de um chefe de uma família no estado da Virgínia que é engolida pela "Guerra entre os Estados". Mas aqui, ao contrário do filme de Leone, há esperança ao final.
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