sábado, julho 10, 2010

Algumas idéias sobre "The Beguiled"

Mathew Brady e Alexander Gardner eram os fotógrafos oficiais do Governo Unionista na Guerra Entre os Estados que devastou os EUA durante os anos de 1861/65. Mais de meio milhão de soldados morreram no conflito e incontáveis vidas civis foram perdidas. O conflito, como não poderia deixar de ser, marcou a vida de pessoas, gerou diferentes formas de se interpretar o mundo, e deixou sua marca nas canções, na literatura e até a indústria cinematográfica
teve os seus "blockbusters" sulistas: The Birth of a Nation,...Gone With the Wind e A General são os filmes representativos desta leva. O próprio Eastwood revisitaria o tema em filmes como Josey Wales. The Beguiled entra nessa categoria, obviamente não como um "blockbuster", e trás uma visão bem pouco heróica ou romantizada da Guerra. Desde o ínicio do filme, ainda nos créditos iniciais, as fotografias dos dois fotógrafos acima citados aparecem em sequência e marcam o tom, o momento histórico da narrativa: Lincoln em um acampamento, soldados em trincheiras, feridos, mortos...a guerra que devasta o país cerca o cenário desse conto de horror gótico sulista.

Após os sons de batalha e as imagens das fotografias em sépia sairem de cena, vemos Amy, uma encantadora menina, colhendo cogumelos na floresta, uma chapeuzinho vermelho sulista. Ao fundo enquanto a voz de Eastwood cantarola The Dove, uma canção da Guerra Entre os Estados:

"Take warning by me, don't go for a soldier, don't go for the army
For the dove she will leave will, the raven will come
And death will come marching at the beat of a drum
Come all you pretty fair madies who walk in the sun
And don't let your young man ever carry a gun"

A cena, como bem aponta Howard Hughes, é o típico início de um conto de fadas, mas aqui, logo o encantamento tornar-se-á um pesadelo de mentiras e dissimulações, farsas e tragédias. Ela encontra o soldado do 66º Regimento de Infantaria de Nova Iorque, John McBurney (Eastwood) ferido e o leva para a "Seminário Para Garotas Farnsworth". É lá, que cercado pelos cuidados, suspeitas, carinhos e obsessões de um grupo de mulheres que McBurney irá, através de seus próprios desejos e manipulações, encontrar seu destino.

The Beguiled é o terceiro filme da parceria Siegel/Eastwood e para muitos, a decisão de Eastwood de estrelar esta produção foi quase tão ousada e importante quanto ir para a Espanha filmar com um diretor italiano desconhecido. Don Siegel considerava esse, dentre todos os filmes que dirigiu, o seu favorito.

Jogando com a visão do cavaleiro solitário que chega à cidade e de forma "mágica" reestabelece a ordem, aqui a trama é justamento o oposto: o estranho que chega trás em seu bojo apenas o caos, destruindo a ordem e abrindo portas para pecados guardados e tentações futuras, também aqui, ao contrário destes personagens sem passado, é nos revelado o seu verdadeiro passado.Não, o "Blue Belly" não é o que diz ser...ora um quaker inocente, ora um cavaleiro em armadura para resgatar uma donzela virgem daquela fortaleza monástica, McBurney é na verdade um soldado covarde e cruel, não tem respeito pelas terras que conquista e queima as colheitas de fazendeiros sulistas (o que remente às táticas do general Sherman, um dos maiores carniceiros de qualquer época, de qualquer guerra, responsável pelo incêndio da cidade de Atlanta que é retratado em ...Gone With the Wind), além de não ser nem um pouco pudico ou discreto, McBurney usa de seu charme e presença para seduzir aquelas mulheres abandonadas e temerosas.

Muito se escreve sobre esse filme da perspectiva do homem fragilizado e emasculado (quiça, castrado!) diante da feminilidade traída (e por vezes, histérica), mas acredito que se trate mais do que isso (até por conta dos futuros questionamentos que Eastwood traria às telas), e para isso, trago uma lição adaptada da análise que Elizabeth Kantor faz da obra de Jane Austen: a miséria humana não é causada por estruturas tradicionais ou genêro, mas por pecados indivíduais (e como há pecados neste filme: assassinatos, incesto, estupro até uma certa dose de profanação). Mais, (e ainda no universo de Austen adaptado para esse filme), há uma evidente falta de auto-controle feminino no filme mas, sejamos justos, há uma abdicação de responsabilidades próprias de um homem no filme (lembrem-se que no filme ele apenas engana e trapaceia), e quando ao final do filme há a contrição do personagem de Eastwood e a aceitação de seu papel como Homem, já não há mais tempo e as rédeas do destino estão soltas.

E para encerrar, e desfazer a imagem de apenas um filme excêntrico nas carreiras de Siegel e Eastwood, gostaria de homenagear o espírito sulista com uma citação de sua maior escritora; "...there was a good deal of grotesque (in American Literatura) which came from the frontier and was supposed to be funny; but our present grotesque characters, comic thought they may be, are at least not primarily so. They seem to carry an invisible burden: their facaticism is a reproach, not merely an eccentrecy."

Um comentário:

Marcus Paulo Rycembel Boeira disse...

Grande Dionísio: como você vai, tudo bem meu irmão? Aqui é o Marcus Boeira. Tchê, olha só: estou me mudando para SP em janeiro. Gostaria de te ligar para marcarmos algum encontro. Que tal? Se puder, mande teu celular para meu e-mail.
marcusboeira@ig.com.br
Assim que receber teu fone, te ligo para combinarmos alguma coisa.
Abração, MB.