domingo, julho 04, 2010

O Diário da Felicidade

Texto publicado na Dicta & Contradicta, v.5 (a edição holandesa...)

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A medida de nós mesmos


G.K.Chesterton, em seu Ortodoxia, definiu dessa forma a felicidade humana: "A perfeita felicidade dos homens sobre a terra... não será uma coisa plana e sólida, como a satisfação dos animais. Será um equilíbrio exato e perigoso: como o equilíbrio de um romance desesperado. O homem precisa ter a medida exata e suficiente de fé em si mesmo para ter aventuras: e ter a medida exata e suficiente de dúvida de si mesmo para desfrutá-las".


Se houve um homem que soube o que é esta felicidade anunciada por Chesterton, foi Nicolae Steinhardt. Creio que os leitores da Dicta já terão tido contato nestes últimos meses com a obra do monge romeno, chamada curiosa e paradoxalmente de O diário da felicidade. Se não é o caso, por favor, deixem que estas mal-traçadas linhas humildemente os leve a se interessar pelo mais importante livro publicado no ano de 2009.


A publicação d’O Diário da Felicidade na última semana do ano de 2009 (ano de exaltação tupinambá graças às conquistas lulistas: pré-sal, jogos olímpicos, vox-populi na casa dos 80% de aprovação), mostra que Deus pode andar ocupado, mas ainda opera seus pequenos milagres por estas bandas.


Para entender este milagre, ou o entusiasmo deste escriba, basta folhear o livro e deixar-se levar. Levar pela sinceridade provocadora, coragem (é este o pilar da obra) e uma surpresa: ao ler o livro recordo-me do poeta Bruno Tolentino. Nota-se que homens de vidas tão distintas encontram no cristianismo uma força avassaladora e que pessoas que vivem vidas tão opostas compreendem que a graça divina pode ser encontrada até nas situações mais desesperadoras (ou mesmo modestas, pois não são necessário apenas os dramas) – e isto comove o coração.


Mas além de uma defesa vital do cristianismo, o livro é um guia para medirmos a nós mesmos. Homens como Steinhardt, nascido judeu mas convertido enquanto estava preso pela Securitate romena, revelam mais do que a nossa pequenez: desnudam também os nossos pecados. Sim, pois ao lermos as páginas, ao depararmo-nos com aquelas situações absurdas de um sujeito preso e denunciado por seus pares, somos forçados a reconhecer que o nascimento das tiranias nasce não de uma vontade abstrata, mas de nossa própria tirania interior: dos nossos indizíveis pecados; das nossas mentiras e negações; covardias e delações, refletidas, alimentadas e nutridas por toda uma geração de homens trivialmente pecaminosos – é aí que surge o grande Leviatã a nos devorar.


A tirania moderna, a que desponta nesta primeira década do séc. XXI, já não é o totalitarismo nazista ou comunista. Não, o Leviatã moderno é uma entidade que nasceu e nos vigia, nos acusa e denuncia no olhar de nossos amigos, de nossos pais e irmãos, de nossos filhos e amados. Quer nos tiranizar com afago e desprezo, ao moldar o pequeno verme em nosso peito; tentando-nos ao nos esmagar sob o conformismo e o medo de sermos abandonados por aqueles mesmos que amamos.


E é necessário lembrarmos que há toda uma pletora de intelectuais, artistas e políticos que conseguiram, com seu afã de nos livrar de Deus, transformar o mal em algo prosaico. Um aborto, uma família dessacralizada, o uso de narcóticos, a pedofilia... tudo simplificado e ressignificado como meras banalidades. Ao fazerem isso, tornaram a vida menos importante que a bala que perfura nossa nuca ao fim de tudo.


Um das lições mais importantes do livro de Steinhardt é resgatar essa certeza e essa concretude do mal. Pois ele existe!; permanece dentro de nós, mesmo após nossas justificativas, nossas distorções e construções mentais.


Um câncer não confessado, que cresce e consome tudo à nossa volta.


O Diário da Felicidade, mais do que o testemunho de um sobrevivente no inferno do totalitarismo, é o próprio resgate daquilo que nos torna novamente homens: a coragem para enfrentar o drama do ser humano concreto. Daqueles que não temem confrontar o problema do pecado e da redenção, daqueles que sabem que, no final, é isto que importa. E a prova maior disso está nos seguintes trechos:

"Milhares de diabos me formigam quando vejo como o cristianismo é confundido com a tolice, com uma espécie de piedade tola e covarde, uma bondieuserie (beatice), como se o destino do cristianismo não fosse senão deixar o mundo ser escarnecido pelas forças do mal, e ele, em si, facilitasse as más ações, dado que é por definição condenado à cegueira e à paraplegia."

Ou

"Em parte nenhuma e nunca Cristo nos pediu para sermos tolos. Chama-nos para sermos bons, brandos, honestos, humildes de coração, mas não idiotas."


E como alerta para nós, embasbacados e idiotizados pela nossa brasilidade, pelo nosso novo e futurista país, fica o alerta visionário do pai de Nicolae, Oscar Steinhardt, que em 1944, ao ver o filho admirado com entrada dos tanques russos em Bucareste, saudou-o e disse: "Paraste para olhar, animal, paraste para olhar todos e não sabes o que te espera, vê como riem, mas vão chorar lágrimas amargas e também tu..."


Se este é um dos exemplos da medida de nós mesmos, que fiquemos com os exemplos maiores, como o do próprio Steinhardt, que, na abertura de seu livro, afirma que, em qualquer ambiente de espírito totalitário, existem apenas três soluções, inspiradas, respectivamente, em Alexander Solzhenistyn, Vladimir Bukovsky e Winston Churchill. A primeira é fingir-se de homem morto, para não ser tentado pelas ilusões do mundo; a segunda é dar uma de louco, como um pária da sociedade, para que ninguém o leve a sério apesar de você gritar a verdade aos quatro cantos do universo; e a terceira é o famoso exemplo do vergo, mas não quebro, quando alguém encontra suas maiores forças no exato momento em que tudo parece se despedaçar. Steinhardt, depois de sua prisão e de sua conversão, só pode encontrar a verdadeira benção que é a felicidade depois de ter se espelhado nestes três exemplos.


E você, caro leitor, qual exemplo pretende seguir?

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