sexta-feira, janeiro 08, 2010

Flannery - A life of Flannery O'Connor


Segue a resenha (não editada) , do livro "Flannery - A life of Flannery O'Connor", do autor Brad Gooch, que está na Dicta & Contradicta, V.4.

Leiam, aproveitem e que tal comprar a biografia e a revista!?

====================================================================
"I like to forget that I'm just a story-teller".
Carta para Elizabeth Hester de 9 de Agosto de 1955 (Collected Works of F. O'Connor, pg. 944)

Flannery O'Connor foi "apenas uma contadora de histórias", segundo suas próprias palavras. Mas ela não era apenas uma contadora de histórias. Em sua prosa, Flannery O'Connor encontrou, na verdade buscou, resgatar aos olhos de seus leitores, o estranhamento com que a Graça, o Mal e o Pecado Original, atuam neste vale de lágrimas. Esse estranhamento ocorre em nossas vidas quando o grotesco, a violência ou nossa incapacidade de reconhecermos que há uma inexpugnável diferença entre o que crermos ser o certo, e o que é certo perante os olhos de Deus.

Este é o chamamento, o furor violento que Flannery usa tão bem em suas histórias para fazer-nos ver o bizarro que nos cerca, e assim, aceitarmos melhor nossa parcela nessa realidade criada para nós.

Nascida no sul dos Estados Unidos (cujo imaginário coletivo remonta racismo, intolerância, lugar onde a odiosa América branca e conservadora cria e recria seus pecados ), filha de pais católicos, apaixonada por pássaros, especialmente o pavão (pássaro que é simbolo do Cristo na iconografia cristã) e "abençoada" com uma doença incurável e que viria a matá-la precocemente, O'Connor vai usar desses elementos para criar uma obra que por muito tempo foi considerada "menor". Mas que com o passar dos anos, mostrou-se mais consistente, com uma visão penetrante da alma humana, que muitos de seus pares contemporâneos não atingiram. E mesmo hoje em dia, apenas consigo pensar em Cormac McCarthy como seu herdeiro no uso do grotesco e da violência. Não menos relevante é a presença da compaixão e da Graça em ambos.

Mas muitos leitores podem cair em uma armadilha ao ler as obras da escritora georgiana, apegando-se apenas ao grotesco ou à violência que ela tão bem descreve, ou ainda, procurando denuncias sociais ou raciais em seus escritos. Não são essas as motivações da escritora, ela não rebaixa o ato de escrever, coisa tão comum e esperada dos escritores neste nosso século de poucas luzes e ainda mais nesse nosso tão inculto Brasil.

E para corrigir essa visão pobre, medíocre e míope de sua obra, de grande ajuda é a recente biografia da escritora escrita por Brad Gooch. Devo confessar em primeira mão que não sou o maior fã de biografias, especialmente de escritores, por carregarem uma tendência pela busca de escândalos, interpretações da vida dos escritores que mais reforçam seus preconceitos ou visões distorcidas (tem sempre um biógrafo louco para provar que Shakespeare era gay e que isso REALMENTE importa para entendermos Hamlet). Mas Gooch se sai bem da tarefa, até por razões óbvias, afinal, Flannery O'Connor não teve uma vida das mais "modernas" se é que me entendem.

Brad Gooch nasceu na Pensilvânia, mas desde 1971 vive em Nova Iorque e acalentava o projeto desta biografia há pelo menos três décadas. Atraído pela autora à época em que graduava-se na Columbia University, especialmente ligado a literatura medieval e renascentista, Gooch identificou na autora sulista características que o atraiam como um homem do século XIII; "humor, corpos e faces demoníacos, ação direta, ameças de violência e acima de tudo, um sútil elemento de busca espiritual em um universo negro animado pela graça e significado".

Em 1979, com o lançamento do livro, The Habit of Being, uma coleção de cartas editado pela amiga da escritora, Sally Fitzgerald, Gooch aprofundou ainda mais sua admiração pela autora. Relevante também, neste livro, é o impacto que a obra de São Tomas de Aquino teve na obra de O'Connor. Imbuido da idéia de escrever a biografia (isto ainda em 1980), Gooch entrou em contato com Sally Fitzgerald que, educadamente lhe disse para que ele encontrasse outro assunto, já que ela já tinha estava escrevendo uma biografia literária da sua amiga.

Duas décadas passaram e a tão aguardada biografia nunca viu a luz do dia. Sally Fitzgerald morreu em 2000, e deixou apenas um manuscrito inacabado de sua biografia. Já em 2003, o editor de Brad Gooch pergunta-lhe se não há interesse do autor em escrever outra biografia, (Gooch escreveu livro sobre o poeta Frank O'Hara). Sem pensar em outra opção, Gooch iniciou seu projeto. Sete anos depois, e quase trinta após seu primeiro "encontro" com a autora, eis a primeira grande biografia de Flannery O'Connor.

Gooch não está preocupado em criar um guia de leitura ou interpretar seus textos, vinculando-os ao acontecimentos de sua vida. Mesmo nas revelações mais intimas, como seu relacionamento com Erik Langkjaer, de quem recebeu, talvez, seu primeiro e único beijo (recriado como o vendedor de Bíblias do conto "Gente boa da roça"), ou da triste e conturbada convivência com sua mãe, há espaço para interpretações maiores e profundas.

Mérito do autor, sim, mas muito pode-se dizer da própria escritora que desde cedo teve a presença marcante da morte em sua vida. Seu pai, morto quando ela ainda era adolescente, e a descoberta de que carregava a mesma moléstia quando contava seus vinte e poucos anos, fez com que ela buscasse em sua formação, respostas para a condição humana. Isto é, a certeza inescapavel de nossa mortalidade.

Mas ao contrário da covardia existencialista, ou do niilismo burro, Flannery buscou sempre resgatar a nossa condição maior de filhos de Deus. Necessário dizer que essa condição não é facilitadora, atenuante ou leve, mas muito ao contrário, dura, cheia de dor e sangue, mas capaz de reconhecer nas penas coloridas de um pavão, a promessa divina de redenção.

Uma vida tão prematuramente iniciada nos mistérios da morte, pode parecer melancólica, triste e vazia. Felizmente, Gooch está à altura da biografada, ele consegue escrever com humor, com delicadeza e respeito sobre os momentos que na mão de outro, poderiam soar apenas patéticos.

Flannery O'Connor passou grande parte de sua curta vida "looking down the barrel of the Misfit's shotgun", nas palavras do autor, não impeliu essa sulista de nascença, católica de formação e escritora por dedicação a se deixar levar pelas cegueiras pós-modernas."

É preciso estar plenamente desperto para aceitar a longa jornada na noite escura que é nossa vida e mais, perceber que não há esperança ou redenção possível sem aceitar o inexorável cuidado de Deus.

Um comentário:

Zé Luis disse...

Belo texto, Dionisius. Feliz Ano Novo, meu caro. Um grande abraço, Zé;